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O fator inicial que deu início à atual onda de ataques a escolas no Brasil (e no mundo)

Na última sexta-feira, 25 de novembro, tivemos um novo e trágico ataque à uma escola brasileira. No Espírito Santo, um jovem atacou colegas, professores e outros funcionários de duas escolas, deixando quatro mortos até o momento.

Nos últimos meses, outros casos similares ocorreram no Brasil e isso vem levantando diversos questionamentos. Nos últimos meses tenho levantado alguns dados que gostaria de compartilhar.

O início de uma onda internacional de ataques em escolas

Por conta de alguns projetos com ciência de dados, atualmente mantenho a observação de cerca de 17 fóruns de internet que se configuram pelo modelo popularizado pelos “chans”. É um número bastante pequeno, tendo em vista a existência de milhares deles, a grande maioria escondidos dos principais sistemas de busca do mundo.

Por conta dessa observação, no dia 23 de setembro de 2022, foi possível observar uma movimentação anômala em diversos fóruns, que se iniciou após a sentença de prisão perpétua proferida durante a manhã deste dia contra o ator canadense Ryan Grantham, acusado de assassinar sua mãe em 2020.

Para a ampla maioria da população mundial, não passou de um caso jurídico trágico envolvendo um jovem ator. Mesmo em redes sociais abertas como o Twitter e o Instagram, tal notícia movimentou pouca atenção, tornando-se notas em sites de entretenimento que cobriram a prisão do ator de Riverdale, uma série jovem de repercussão moderada.

Porém nos fóruns a repercussão foi outra e foi onde todo o caso reverberou, com suas nuances sendo trabalhadas e homenageadas. A morte de Barbara Waite, mãe de Ryan, apresentou nuances de um ritual, com diversos sinais deixados apenas para pessoas envolvidas na mesma cultura que Ryan.

Outro ponto bastante explorado foi o diário de Ryan, divulgado parcialmente durante o processo que culminou em sua prisão perpétua. Nele Ryan planejava não apenas o assassinato de sua mãe, mas também um ataque contra sua antiga escola, onde havia sofrido bullying, e também um ataque contra o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, acusado de ser um globalista que tira os direitos da população de bem.

Essa história reverberou com força todos os fóruns acompanhados, gerando um fluxo de publicações com ameaças bastante extensas. Ao fazer o cruzamento desses dados com outros momentos em que tivemos pequenas ondas de violência promovida por pessoas com perfis similares ao das que frequentam esses espaços digitais, os gráficos comparativos mostravam uma tendência de crescimento de ameaças jamais vista em outros momentos, sendo cerca de 50 vezes maior do que as movimentações ocorridas após o ataque à uma escola em Suzano, interior de São Paulo, em 2019.

Todos os dados apontaram para uma onda possível onda de violência mundial que naquele momento estava apontada principalmente para escolas e, no caso do Brasil, com uma leve tendência a figuras públicas políticas.

Não demoramos muito para ver o resultado dos dados. Após o alarme soado em 23 de setembro, no dia 26 de setembro acordamos com notícias de um ataque em uma escola em Barreiras no Ceará e no dia 27 de setembro um outro ataque na chapada Diamantina, quando um aluno ateou fogo em sua escola. No dia 5 de outubro, ainda tivemos um ataque em Sobral, no Ceará.

Também detectamos ataques a escolas em diversos outros países, como na Rússia (também em 26 de setembro), nos Estados Unidos (28 e 30 de setembro), Polônia (29 de setembro), África do Sul (3 de outubro) e Alemanha (7 de outubro). Além desses, também tivemos outros 82 relatos não confirmados durante setembro e outubro que circularam redes sociais, mas sem conseguirmos encontrar fontes que confirmassem os ataques.

Durante todo o mês de outubro, os fóruns continuaram em um nível alarmante de ameaça, apenas retornando à um status normalizado durante a última semana de outubro.

É impossível afirmar o quanto esse ataque ocorrido neste final de novembro no Espírito Santo é fruto da onda de ameaças e ataques ocorridas durante os dois meses anteriores, mas é possível observar uma possibilidade relevante de que exista um vínculo.

Breve relato sobre a cultura de Chans e Fóruns.

Nos últimos meses tive pequenas experiências de tentar apresentar o sistema de funcionamento desses fóruns e chans para pessoas acostumadas apenas ao uso das redes sociais e sites mais conhecidos da Internet e foi bastante infrutífero.

Para um usuário comuns (odeio esse termo), esses espaços podem parecer caóticos e pouco compreensíveis. Eles têm diversos elementos que indicam a existência de uma cultura digital muito própria para tais espaços, indo desde a estética e linguagem utilizadas na comunicação e organização de tópicos de conversas, até mesmo ao modelo de lógica de programação e desenvolvimento empregados em suas construções, que criam vias confusas de fluxo de informações.

Não quero entrar profundamente na construção de perfil dos usuários desses serviços, mas vale apenas destacar que é um perfil predominante é o de homens, brancos, que se declaram como de extrema direita ou apolíticos e conservadores e fazem parte das classes médias ou ricas da sociedade, porém também é importante frisar a tendência de crescimento de perfis de camadas populares e de perfis que se declaram como de conservadores anticapitalistas ou anti-imperialistas.

Há diversas análises sobre como esses perfis têm reagido à crescente crise do capitalismo global e avanços fascistas ao redor do mundo. Em tal ponto, indico a leitura de Silvio Almeida que vem falando sobre o racismo e a crise do capitalismo (Sílvio Almeida: Estado racista e crise do capitalismo – Outras Palavras).

Os fóruns e chans, além de algumas redes sociais muito específicas, tornaram-se ponto de encontro para tais perfis e apresentam uma tendência de globalizar modismos e ondas de violência a partir desses espaços digitais.

Tais ondas podem ser detectadas por meio de observação desses espaços, porém, infelizmente, não necessariamente isso nos trará eficácia para evitar atos de violência, já que o próprio sistema desses fóruns dificulta o máximo possível a identificação de qualquer elemento que ajude a identificar a fonte de uma ameaça e, mesmo com isso, as contradições que geram tais perfis e ações tem se mostrados inerentes ao atual estágio da organização econômica mundial.

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