“O capital não cria a ciência e sim a explora apropriando-se dela no processo produtivo. Com isto se produz, simultaneamente, a separação entre a ciência, enquanto ciência aplicada à produção e o trabalho direto (…)”
Karl Marx (Capital e Tecnologia – Manuscritos de 1861-1863)
Precisamos falar sobre dados, ciência de dados, banco de dados e tantos outros termos que apenas nos últimos anos se tornaram relevantes nas nossas vidas, porém antes, é necessário aprender um pouco com a história humana.
Quando lemos livros e filmes antigos, percebemos a existência da construção de toda uma honra militar que cercava os conflitos bélicos. A ideia da desonra ao observar o Japão, em especial, é evidente. Mesmo as guerras, atendiam à uma lógica precisa de como deveriam ocorrer e, cada posto tinha sua função específica em uma batalha. A cavalaria tinha uma importância enorme. Cavaleiros eram alçados à um grande grau de importância social em cenários de na Europa, assim como os samurais no Japão ou os tigres na China.
Porém, logo surgiram as armas modernas. Metalhadoras, aviões e artilharias vieram modificar nossa forma de fazer guerra no início do século XX. Por mais que fosse, até de certa maneira bonito os ideais anteriores de guerra, aqueles que se prenderam à eles, pereceram.
O que isso nos ensina?
Cavalos e cavaleiros foram metralhados, bombardeados e explodidos. A cavalaria, com toda a sua honraria, foi morta. Samurais caíram no esquecimento. Ambos não tem a mínima relevância militar nos dias atuais, onde ainda criamos os drones e, em breve, autômatos que irão ao campo de batalha.
É vital pensar sobre a relação entre a luta de classes e a tecnologia. As guerras são os fatores mais marcantes para nos ajudar a refletir acerca disso, porém, em questões em que o confronto não aparece de maneira direta, torna-se mais complicado pensar sobre essa relação.
É fácil imaginar que, em uma guerra, caso não peguemos armas de tecnologias minimamente similares aos nossos inimigos, nós seremos dizimados. A Guerra do Vietnam é exemplo disso. Mesmo com armamento muito inferior aos Estados Unidos, o que seriam dos Vietkongs sem metralhadoras e fuzis? Mesmo o conhecimento do território, teria sido de pouca importância e eles teriam sido massacrados.
Necessitamos que essa lógica também esteja atrelada à outras esferas. Nesse momento, em especial, às tecnologias comunicação e de utilização de dados.
Observações sobre as redes sociais e dados
Quando pensamos em o uso de dados pessoais, logo pensamos em documentários que nos enchem de terror, como o Privacidade Hackeada, disponível na Netflix ou o Democracia Hackeada, da HBO, disponível no Youtube. Ou em toda a história de Edward Snowden já amplamente divulgada e que discursa sobre a necessidade de lutarmos para defendermos a nossa privacidade.
Tais obras e histórias geram uma sensação de pânico e, não raramente, pequenos movimentos organizados que pregam o abandono das redes sociais, tentativas de construções de redes alternativas e outras ideias.
É necessário falarmos agora que esse movimentos são irrelevantes em um cenário de luta de classes, por não serem, nem de longe, uma solução viável para enfrentarmos as contradições colocadas por grandes Coorporações como o Facebook, Google e Amazon.
Essas coorporações são empresas que se apoderaram do desenvolvimento tecnológico e capitalizaram sobre eles, algo que Marx já observava em seu tempo. A questão mais importante para nós, sobre isso, é o próprio desenvolvimento tecnológico e a forma com que ele modifica as estruturas sociais. A história já nos ensinou amplamente a inutilidade de lutar contra isso. Quem se abstém da nova realidade, ficará relegada aos contos ficcionais do futuro, assim como ocorreu com cavaleiros e samurais. Afinal, a realidade é o que ela é e não o que queremos que ela seja.
Construir redes alternativas é inviável se pensarmos em propostas individuais ou de pequenos coletivos dentro do sistema capitalista. Toda rede social ou meio de comunicação virtual só se torna relevante a partir do público alcançado. Um primeiro desafio é convencer esse público.
Um segundo, e ainda mais importante desafio, é custear uma estrutura que atenda um grande público. Se pensarmos em alcançar, 40 milhões de pessoas com uma rede social (1/3 dos brasileiros que estão no Facebook atualmente), apenas os custos com a compra de servidores seria de,aproximadamente 1 bilhão de reais (baseado no investimento do facebook). Estamos propositalmente ignorando o custo de manutenção, energia elétrica, recursos humanos, entre outros, que aumentam ainda mais a inviabilidade econômica destas propostas.
Tendo isso em vista, no máximo podemos pensar em como disputar o espaço dentro dessas redes sociais. Em como utilizar as contradições dessas empresas para atingirmos uma mudança de estruturas sociais no nosso país que possa nos colocar em uma posição onde poderemos lidar melhor com essas coorporações.
O debate sobre segurança de dados
O fator que geralmente faz com que pessoas temam essas redes sociais e o poder exercido por elas é, claramente, a obtenção e uso dos nossos dados pessoais.
Esse medo é compreensível, tendo em vista os efeitos devastadores que a utilização desses dados tiveram nas eleições dos Estados Unidos, Brasil e Índia e no referendo do Brexit. Mas o nosso medo está centrado no objeto errado.
Será que realmente é negativo que outras pessoas tenham acesso aos nossos dados pessoais? (Por favor, não pare de ler por causa deste questionamento).
Minha resposta para a pergunta acima é que não. Não é negativo que outras pessoas tenham acesso aos meus dados pessoais gerais. Existem alguns problemas importantes, porém o simples acesso à esses dados não é um deles.
Pode ser bastante positivo um o governo ter acesso ao nosso estado de saúde e que ele realocaque verba para uma região em que seja detectável uma necessidade maior de recursos a partir da análise desses dados. Pode ser positivo que o governo saiba como estamos nos sentindo emocionalmente, podendo detectar focos de depressão ou outras doenças mentais, para que o Estado possa alocar tratamento psicológico e psiquiátrico onde for mais necessário.
Em um futuro hipotético, seria interessante até mesmo que o Estado soubesse sobre nossa dieta alimentar de forma com que isso ajudasse na logística de distribuição de alimentos. Ou que saiba nossos gostos pessoais e potencialidades para que possa direcionar da melhor forma possível a disponibilização de vagas de trabalho.
A frase “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades” foi popularizada por Karl Marx e, nessas questões, tecnologias de mineração e análises de dados aparecem como vitais na construção de uma nação da classe trabalhadora.
Nosso problema com os dados, bancos de dados, big datas e outros termos não dizem respeito às tecnologias desenvolvidas e empregadas, mas ao modelo capitalista em que vivemos, em que esses dados estão sendo utilizados para o benefício da classe dominante e não da classe trabalhadora.
Nessa frente, é possível perceber que o debate clássico de segurança de dados é ineficaz e obsoleto desde seu início, pois ele se coloca contra o avanço tecnológico e às mudanças na sociedade que esses avanços propiciam. Nossa luta sobre os dados deve priorizar o uso ético e benéfico deles em prol do coletivo e não simplesmente um direito individual de proteção de dados pessoais.
Um exemplo marcante nesse momento é o uso feito pelo Estado de São Paulo dos dados de telefonia móvel para medir a quarentena no estado. Ele é importante para traçar táticas reais de enfrentamento à pandemia e não devemos rejeitar esse uso, mas observar se esses dados estão causando efeitos benéficos ou não. Principalmente, devemos ficar atentos aos usos que serão feitos dessas informações após a crise atual.
Dito isso, é importante deixar claro que, dentro do modelo capitalista e, principalmente, sabendo de forças que podem nos prejudicar, a segurança da informação ainda tem papel primordial, principalmente se tratando do compartilhamento de conteúdos sensíveis entre nós.
O Exemplo Chinês
Olhar para a china hoje é imprescindível. Precisamos analisar as formas com o socialismo chinês está sendo construído.
Olhando para o uso de novas tecnologias, é perceptível que elas vão de encontro ao que coloco nesse texto. Nesse caso, inclusive, com poder para enfrentar as grandes coorporações e lançar estratégias próprias do uso de tecnologias de redes sociais e de dados de forma a beneficiar seus cidadãos.
A resposta ao Covid19 demonstra isso. A análise sobre a situação de saúde das pessoas foi feita em grande parte com o uso de redes sociais próprias, como o WeChat. Ao mesmo tempo, modelos matemáticos complexos foram empregados para estudar a transmissibilidade do CoronaVírus e as possíveis rotas de transmissão. Informações com as quais uma perda maior de vidas foi evitada.
Graças aos dados que o governo chinês tem de seus cidadãos, foi possível alcançar resultados positivos.
De outro lado podemos comparar com os Estados Unidos que, mesmo com tecnologias similares à chinesa vem tendo grandes problemas ao lidar com a pandemia.
No início existiram erros políticos imensos que tornam difíceis as comparações. Mas é perceptível que mesmo em lugares onde quarentenas e Lockdowns foram decretados, não houve um investimento em utilizar os dados que os Estados Unidos tem dos seus cidadãos para um atingir melhores resultados.
Nesse comparativo, não podemos ser inocentes. Os Estados Unidos certamente tem tecnologia avançada para obtenção de dados (Fora o Facebook, Twitter, Redes de telefonia e afins) e tem dados muito mais completos de seus cidadãos do que a China. As divulgações de Edward Snowden comprovam isso. Porém esses dados não estão colocados para o bem público, sendo utilizados somente para benefício da burguesia do país.
O resultado dessa política é perceptível nos 100 mil estadunidenses mortos pela Covid19 até agora.
Conclusões
Esse texto tem algumas conclusões principais:
- Soluções que visem contrapor os avanços tecnológicos são completamente contraproducentes e já surgem obsoletas.
- As grandes coorporações de tecnologia não serão derrotadas por ações individuais, evitando o uso de suas plataformas e, muito menos, pela tentativa de construção de alternativas dentro do capital, mas apenas pela tomada do poder e construção de ferramentas próprias que usem essas tecnologias em prol do nosso povo.
- Em relação aos nossos dados, NÃO devemos nos focar em demandas individualistas pelo direito à privacidade de dados, mas SIM na utilização desses dados para benefícios coletivos.