Eu assisto e gosto muito do conteúdo do Anderson Gaveta, da Gaveta Filmes, que tem um canal de youtube chamado Gaveta (E nunca antes eu havia colocado a palavra Gaveta tantas vezes em uma frase). Ele é um editor de vídeo e fala muito sobre edição em comerciais, séries, cinemas, etc. Entre muitas das coisas que eu aprendi vendo seus filmes vem um conceito que achei interessantíssimo:
VIRTUOSISMO NÃO NECESSARIAMENTE É SINAL DE QUALIDADE (Gaveta, Anderson. 202x)
Ele se refere, quando fala isso, à edições muito difíceis de serem feitas, que exigem um conhecimento técnico aprofundado, porém nem sempre tem um resultado positivo, pois não cumprem o objetivo de uma edição: o de auxiliar na construção das emoções de uma obra audio-visual. Muitas vezes o simples tem um resultado muito mais efetivo.
O Gaveta já comparou isso com solos de guitarra, que por vezes podem ser muito virtuosos, porém nem sempre compõe uma música que emociona as pessoas. Muitas vezes, um riff bastante simples e marcante vai fazer isso de forma muito melhor.
Logicamente, isso não diminui a importância do virtuosismo (da técnica), pois quanto mais técnica o editor de vídeos ou o guitarrista tem, mais repertório ele tem para alcançar o objetivo do seu trabalho, porém nem sempre ele precisa fazer um trabalho complexo para isso, mas conhecendo a complexidade, ele pode encontrar a simplicidade que pode marcar uma obra prima.
E eu defendo que o mesmo serve para o desenvolvimento de software e inovações.
O Vício em codar precisa de um rehab
Eu sou um amante da codagem e desenvolvo códigos desde que tinha 14 anos de idade. Lá se foram cerca de 18 anos nesse mundo, por mais que agora o divida com o mundo da ciência de dados e da estatística, onde continuo codando muito.
Com o tempo adquiri certo virtuosismo na codagem e sei bem a emoção de quando um código de alta complexidade funciona. A Serotonina do meu corpo vibra em uma nota ritmica de Chuck Berry sempre que vejo um código funcionar após horas de desenvolvimento.
Porém com o tempo descobri que muitas vezes o simples é muito mais efetivo. O meu vício em codar, precisou de um rehab. E acreditem “They tried to make me go to Rehab but I said no, no, no”, mas quando aceitei, um novo mundo se abriu.
Com o tempo eu fui reduzindo o meu tempo de codagem o PHP, o JavaScript e o CSS e migrando para a utilização de ferramentas low code/no code, como o WordPress.
Com o tempo eu fui reduzindo o meu tempo de codagem em Python, R e Go e migrando para a utilização de ferramentas low code/no code, como o aprendizado de máquina do Microsoft Azure.
E isso impulsionou a efetividade do trabalho. Aumentou a qualidade e fez com que eu alcançasse o meu objetivo final, a emoção de um site desenvolvido ou de uma análise preditiva, com muito mais eficiência e qualidade.
Mas foi necessário o aprofundamento técnico para encontrar a simplicidade com a excelência esperada por eu mesmo e pelos clientes e empregadores com quem atuo e atuei.
É preciso livrar os clientes da prisão do seu trabalho (Ou a experiência do mapa eleições melhores – pacto pela democracia).
Mas, além do vício em codar, o virtuosismo excessivo também faz vítimas pelo caminho.
No último mês, tive o prazer de atuar com a organização Pacto Pela Democracia, que coordena os esforços de atores sociais em todo o espectro ideológico para aumentar a capacidade da sociedade civil de defender e revigorar a democracia no Brasil, em um projeto de mapeamento de iniciativas que visam proteger a democracia durante as eleições chamado Eleições Melhores.
Eles precisavam atualizar o seu site para as eleições desse ano e, no momento em que o encontrei, era um site desenvolvido em WordPress, porém utilizando um tema desenvolvido completamente pelo desenvolvedor que anteriormente cuidava do site.
Seu desenvolvimento era bastante virtuoso, com funcionalidade que deixavam o site leve e bonito, porém 100% dependente de um código, o que impossibilitava que a equipe do Pacto Pela Democracia pudesse atualizar o projeto para as eleições de 2024.
Enfim, eles estavam presos ao desenvolvedor.
A solução seria codar novamente, fazendo um novo site bonito e virtuoso produzido por um desenvolvedor (que dessa vez seria eu) ou reestruturar todo o site para adotar ferramentas de No Code que possibilitasse que a própria equipe do Pacto Pela Democracia o atualizasse para esse ano e nas próximas eleições continuassem a ter a liberdade de continuar atualizando-o sozinhos.
Felizmente, eles aceitaram a segunda opção e não ficaram presos a mim, podendo eles mesmos atuarem no projeto.
Utilizei uma solução simples, utilizando um tema modular (o Ocean WP) e o plugin de desenvolvimento no code Elementor (até queria utilizar o próprio Gutemberg, o editor de páginas do WordPress, porém ele ainda não atingiu o nível de maturidade de desenvolvimento exigido pelo projeto).
O resultado foi que, ao fim do trabalho, a equipe do Pacto Pela Democracia se apoderou de sua própria ferramenta, sendo necessário apenas uma aula de menos de uma hora para ensiná-los a utilizar.
O site deixou de ser uma ferramenta complexa e se tornou simples, ao mesmo tempo em que manteve sua excelência, ficando ainda mais leve, funcional e bonito do que anteriormente.
Há cerca de três anos, eu passei por um processo similar com o site da editora Expressão Popular, que também encontrava-se em um ambiente de fulldev e hoje utiliza ferramentas low code para funcionar.
Acredito que o Eleições Melhores foi um trabalho muito melhor, até por que, tenho 3 anos a mais de maturação e virtuosismo do que na época que desenvolvi o Expressão Popular.
Porém, no caso do Expressão Popular, era ainda mais grave a situação quando o encontrei, já que eles encontravam-se não apenas em uma prisão do virtuosismo do desenvolvimento de seu site de vendas, mas também havia desenvolvimentos fechados que geravam uma prisão econômica. Para adicionar uma nova funcionalidade em seu site, estavam presos à apenas um desenvolvedor que poderia cobrar o preço que queria.
Felizmente, isso não ocorre mais. Atualmente o site continua sendo atualizado por outras pessoas e acredito que isso é fundamental. Utilizar o virtuosismo para prender outro ao seu trabalho, além de pouco efetivo à longo prazo é uma prática completamente desleal e anti-ética.
O Amadurecimento. o agradável e doce amadurecimento.
Há alguns dias desenvolvi um código no meu trabalho atual. Um algoritmo que demorou cerca de 40 minutos para estar finalizado (agradecimento ao ChatGPT). Ao ver ele funcionando o velho vício tomou conta e o ritmo de serotonina presente em meu corpo fez com que esboçasse um leve gritinho de felicidade.
Escrever um código é viciante.
Mas é preciso maturidade para aprender que escrever linhas de código é algo que faz parte do seu trabalho, porém não é o objetivo do mesmo.
O objetivo do trabalho com desenvolvimento de soluções e de inovações está presente em seu próprio nome: Desenvolver e Inovar.
Por vezes, isso vai passar por vários momentos desenvolvendo linhas de código, gerenciando infraestruturas (outro vício difícil de lidar) e arquitetando ambientes complexos, mas em outras vezes a o desenvolvimento de soluções e inovações vai passar apenas por encontrar uma ferramenta que já está pronta, instalá-la e configurá-la. Por vezes vai ser necessário apenas encontrar o serviço certo e pagar por ele.
Isso passa pela maturidade de conseguir avaliar a qualidade da solução desejada, o potencial de escalonamento e a saúde técnica e financeira do projeto de solução e inovação à médio e longo prazo. Por vezes isso vai envolver o desenvolvimento de uma ferramenta completamente nova e por vezes apenas a indicação de algo que já existe e se demonstra eficiente e sustentável.
Para alcançar a solução certa é necessário maturidade e muito, muito virtuosismo.
Afinal, às vezes são necessários os 30 acordes de Bohemian Rhapsody do Queen, fazendo um som complexo e dinâmico, mas por vezes, todas as emoções necessárias são passadas pelos 2 acordes simples de Eleanor Rigby dos Beatles. Ambos precisaram ser virtuosos e, tanto na complexidade quanto na simplicidade, são marcantes e cumprem seu objetivo: Emocionam.
